Seu celular está te ouvindo e não é paranoia

Alguns anos atrás, algo estranho começou a acontecer. Eu e um amigo estávamos no bar, com nossos iPhones no bolso, discutindo nossas viagens recentes para o Japão e que pensávamos em voltar. No dia seguinte, nós dois recebemos propagandas pop-up pelo Facebook sobre voos para Tóquio. Achamos que era só uma coincidência bizarra, mas parece que <www.bbc.com/news/technology-41802282> todo mundo tem uma história sobre seu celular ouvindo o que você diz. Seria só paranoia, ou nossos celulares estão mesmo nos vigiando?
Segundo o Dr. Peter Henway — consultor sênior da empresa de cybersegurança Asterix, e ex-professor e pesquisador da Edith Cowan University — a resposta curta é sim, mas talvez de um jeito não tão diabólico quanto parece.
Para seu celular realmente prestar atenção e registrar sua conversa, tem que haver um gatilho, como quando você diz “ <techcrunch.com/2015/09/11/apple-addresses-privacy-questions-about-h ey-siri-and-live-photo-features/> oi Siri” ou “ <myactivity.google.com/myactivity?utm_source=help&restrict=vaa> OK Google”. Sem esses gatilhos, qualquer dado que você fornece só é processado dentro do seu celular. Pode não ser causa para alarme, mas qualquer inscrição de terceiros que você tem no seu celular — como o Facebook, por exemplo — ainda tem acesso a seus dados “sem gatilho”. E se eles vão usar esses dados ou não depende só deles.
“De tempos em tempos, trechos de áudio vão parar nos servidores [de outros aplicativos como o do Facebook], mas não sabemos oficialmente quais são os gatilhos para isso”, explica Peter. “Seja horário, localização ou uso de certas funções, com certeza os aplicativos estão pegando aquelas permissões de uso de microfone e as usando periodicamente. Esses dados são enviados em formato criptografado, então é muito difícil definir o gatilho exato.”
Ele continuou explicando que aplicativos como Facebook e Instagram podem ter milhares de gatilhos. Uma conversa normal com um amigo sobre precisar comprar calças poderia ser o suficiente para ativá-los. Mas a palavra-chave aqui é “poderia”, porque mesmo a tecnologia estando aqui, empresas como o Facebook <newsroom.fb.com/news/h/facebook-does-not-use-your-phones-microphone -for-ads-or-news-feed-stories/> negam veementemente ouvir <newsroom.fb.com/news/h/facebook-does-not-use-your-phones-microphone -for-ads-or-news-feed-stories/> nossas conversas.
“Como o Google diz fazer isso abertamente, acredito que outras empresas também fazem”, Peter me disse. “Não tem razão para não fazerem. Faz sentido de um ponto de vista de marketing, e seus acordos de uso e a lei permitem isso, então suponho que eles estão fazendo, mas não há como ter certeza.”
Com isso em mente, decidi fazer um experimento. Duas vezes por dia por cinco dias, tentei dizer algumas frases que poderiam teoricamente ser usadas como gatilhos. Frases tipo “Estou pensando em fazer outra faculdade” e “Preciso de camisas baratas pra trabalhar”. Depois monitorei atentamente as postagens patrocinadas no Facebook para ver se havia mudanças.
As mudanças apareceram da noite para o dia. Do nada, comecei a receber informações sobre cursos começando no meio do ano em várias universidades, e como certas marcas estavam oferecendo roupas mais baratas. Uma conversa particular com um amigo sobre como eu estava gastando minha cota de dados muito rápido levou a propagandas de planos de dados de 20 GB. E apesar de algumas propostas até serem boas mesmo, essa experiência abriu meus olhos.
Peter me disse que apesar de nenhum dado estar oficialmente a salvo de perpetuidade, ele garante que em 2018 nenhuma companhia está vendendo seus dados diretamente para empresas de publicidade. Mas como sabemos muito bem, essas empresas não precisam diretamente dos nossos dados para vermos suas propagandas.
“Em vez de dizer ‘aqui temos uma lista das pessoas que seguem sua demografia’, eles dizem ‘Você me dá algum dinheiro e eu faço essa demografia ver o que você quer’. Se soltassem essa informação por aí, eles perderiam acesso exclusivo a isso, então estão tentando manter a coisa sob o maior sigilo possível.”
Peter disse que só porque as empresas de tecnologia valorizam nossos dados, elas não vão protegê-los de agências do governo. Como a maioria das empresas de tecnologia ficam nos EUA, o NSA e talvez a CIA podem ter acesso à sua informação, quer isso seja legal no seu país de origem ou não.
Sim, seu celular está te ouvindo e qualquer coisa que você disser perto dele pode ser usada contra você. Mas tem algumas pessoas que deveriam se preocupar mais do que outras.
Se você for jornalista, advogado ou tenha algum papel envolvendo informações importantes, o acesso aos seus dados pode não ir apenas pras mãos das empresas de publicidade. Mas mesmo que você seja uma pessoa comum, levando uma vida normal, e conversando com seu amigo sobre viajar pro Japão, é assustador imaginar que um bando de publiciotário sabe o assunto dos seus papos íntimos — o que é ainda pior do que a péssima prática do pessoal da publicidade de ver o seu histórico de navegação.
“É uma extensão do que a publicidade costumava fazer com a televisão”, disse o Peter. “Só que em vez de informações sobre o público do horário nobre, agora eles rastreiam seus hábitos de internet.” Apesar das palavras apocalípticas, Peter ainda vê o lado positivo da situação. “Não é o ideal, mas não acho que isso representa uma ameaça imediata pra maioria das pessoas.”
Vice.com.br